quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Moby Dick: A obsessão



É interessante observar o comportamento do ser humano, bem como sua postura e suas reações diante de vários acontecimentos que surgem ao longo de sua vida, uma vez que ela é repleta de momentos e ocasiões bastante estranhos e embaralhados. Existem, também, momentos na vida que são mágicos e maravilhosos, compensando todo o resto. Cada pessoa tem uma forma particular de ver o mesmo problema, bem como executar soluções diferente. O ser humano é o ser mais complexo que existe na face da terra, pois é um ser racional, inteligente, cheio de sentimentos antagônicos, que possui o bem e o mal dentro de si, e os utiliza, um ou outro, com mais intensidade de acordo com a situação, além de possuir o livre arbítrio para decidir o que for melhor para si, sem se preocupar, às vezes, na sua maioria, nas conseqüências dessa escolha.
A obra de Melville, Moby Dick, aborda de forma interessante, os vários comportamentos do ser humano em relação à vida. O personagem Ismael encara a vida de forma simples, com esperança e fé em Deus, como um bom cristão que é. Queequeg a encara de forma reservada e simples, e busca aprendizado e conhecimento com outras culturas, assim como as várias naturezas humanas. Stubb, o segundo chefe imediato do navio Pequod, vive a vida de forma despreocupada, acessível e nada cuidadoso, com certo toque de humor, enfrentando os perigos com ar indiferente. Starbuck via a vida de forma séria e cautelosa. É um homem cheio de escrúpulos, que nutre uma paixão pela vida. Mas o personagem que chama mais atenção é o capitão Acab; um homem que vive em função da profissão de baleeiro. É um homem reservado, que nunca foi do tipo muito alegre, tido por alguns, como Peleg, como um homem bom e piedoso, mas propenso a dizer impropérios como qualquer ser humano. Ele era inacessível em matéria de sociabilidade e possuidor de poucos amigos. Dedicou toda a sua vida em aventuras marítimas, à caça de cachalotes. Numa dessas aventuras teve sua perna devorada, mastigada e triturada por uma baleia branca chamada Moby Dick e desde então sua vida virou um inferno, porque ele começou a nutrir desejos mórbidos, de vingança por este animal. A partir de então, Acab ficou diferente, o seu humor ficou alterado, rude (Cap. XVI, pág 103). Ele passou a viver em função de uma vingança por uma única criatura nos vastos oceanos do planeta, arriscando a própria vida e a dos tripulantes que o acompanhavam. Esse triste acontecimento fez de Acab um homem melancólico, perturbado e obsessivo, pois todos os seus pensamentos, a sua respiração, a sua ação estavam voltados para este objetivo. Vingar-se de Moby Dick era o seu supremo propósito. E todo este desejo insano e obsessivo por um único animal, reflete o orgulho ferido de um renomado capitão dos mares, conhecedor profundo de várias espécies de baleias, que começou sua carreira ainda bem jovem e ao ser atingido por Moby Dick, que o fez usar uma perna de marfim e o destruiu transformando-o em um marinheiro perneta ( pág. 179) fez um estrago ainda maior no seu brio, na sua imagem de homem inatingível e imponente, uma vez que a baleia teve a ousadia de desafiá-lo. A sua loucura chegou a tal ponto que ele já não sentia o mesmo prazer e encanto ao fumar seu cachimbo (Cap. XXXI, pág. 146). “Acab se alimentava das patas sombrias de sua melancolia” (Cap. XXXIV, pág. 169).
Temos dois exemplos distintos de obsessão em Moby Dick. O primeiro é a obsessão que gera loucura, perseguição e vingança, retratada na figura de Acab o capitão que nutre este sentimento pela baleia, em conseqüência de um confronto em que perdeu uma perna. A partir de então, ele fica obstinado por este animal de forma insana e incompreensível. E isto fica evidente no seguinte trecho: “... me entreguei à loucura, ao frenesi, deixei meu sangue ferver e a testa fumegar em furiosa caçada à minha presa...” (Cap. CXXXII, pág. 537). O segundo exemplo é a obsessão como sentimento ou ideia que, gerando angústia, se impõe a um indivíduo, que lhe reconhece o caráter absurdo ( Mini Dicionário Aurélio, 2001). Este tipo de sentimento é encontrado na figura de Starbuck em relação ao seu capitão Acab. Starbuck, ocupava o primeiro posto imediato; era um homem sério, magro, alto tranqüilo e firme. Ele tinha mulher e filho; era muito cheio de escrúpulos, com espírito reverente . Ele tinha verdadeira adoração pelo capitão Acab e apesar de não concordar com suas atitudes ele nunca o abandonou. Sobre sua relação com Acab ele diz o seguinte: “Minha alma encontrou mais do que sua companheira, achou seu capataz, um louco!... ele me dominou inteiramente e destruiu a minha razão! Compreendo seu propósito ímpio, e mesmo assim sinto que devo ajudá-lo. Queira ou não, algo de inefável não consigo evitar me ligou a ele e leva-me a reboque com um cabo impossível de cortar a faca” (Cap. XXXVIII, pág. 185). Ele reconhece o caráter absurdo da vingança do seu capitão, tem sido consciência do risco que está correndo, mas permanece com sua idéia fixa e obsessiva de obedecê-lo e servi-lo, mesmo quando é maltratado, xingado e humilhado pelo seu superior. Em vários trechos do livro encontramos Starbuck tentando convencer Acab a desistir dessa loucura: “Deus está contra ti, velho; desiste! É uma viagem nefasta! Mal começada, mal continuada” (Cap. CXIX, pág. 507). “Por que insistes em dar caça a esse hediondo cachalote? Vem comigo!Vamos embora dessas águas mortais! Vamos voltar para casa!” (Cap. CXXXII, pág. 538). “Ainda podemos desistir, mesmo hoje sendo o terceiro dia. Vê! Moby Dick não te procura. És tu, tu, que loucamente o buscas!
Tanto Acab quanto Starbuck, mesmo com alguns lapsos de razão, permanecem obstinados, cada um no seu objetivo. Um mantinha em mente a ideia fixa de perseguição e o outro a ideia fixa de obediência cega. Cada um consegue cumprir e concretizar seu objetivo, mas pagam um preço muito alto – a própria vida. E este objetivo foi em vão, pois não desfrutaram a vida em toda a sua plenitude, preferindo a solidão , o exílio e tiveram um fim triste e trágico. A obsessão os deixou cegos para as coisas mais significativas e importantes da vida – a convivência familiar. Eles renunciaram ao cargo de marido e de pai.





Referência: MELVILLE, Herman. Moby Dick

Trabalho da Pós-Graduação em Literatura Americana e Inglesa.Universidade Federal do Tocantins - UFT.